Às vésperas da virada de 2022 tomamos conhecimento de importante alteração relativa às áreas de preservação permanente (APP) em área urbana consolidada. A Lei 14.285, de 29/01/2021, alterou a definição de área urbana consolidada prevista no Código Florestal e tal alteração implica em reflexos nas metragens das APP nas áreas urbanas consolidadas.
Antes dessa alteração, o Código Florestal (Lei 12.651/2012) previa que era área urbana consolidada aquela de que trata o inciso II do caput do art. 47 da Lei 11.977, de 7 de julho de 2009, artigo esse que estava revogado desde 11 de julho de 2017, pela Lei 13.465. Hoje, a alteração legislativa prevê que área urbana consolidada passa a ser aquela que atende os seguintes critérios:
a) estar incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica;
b) dispor de sistema viário implantado;
c) estar organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;
d) apresentar uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou direcionadas à prestação de serviços;
e) dispor de, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:
- 1. drenagem de águas pluviais;
- 2. esgotamento sanitário;
- 3. abastecimento de água potável;
- 4. distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e
- 5. limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
O novo conceito está mais adequado ao conceito trazido pela Lei 13.465/2017, mas inova diminuindo a quantidade de equipamentos de infraestrutura urbana necessários para a área ser considerada área urbana consolidada.
A alteração e definição desse conceito é importante porque dispõe sobre as APPs de faixas marginais de curso d’água em área urbana consolidada e para consolidar as obras já finalizadas nessas áreas.
A alteração legislativa dispôs também que as faixas das APPs de curso d’água em áreas urbanas consolidadas poderão ser definidas pelos conselhos de meio ambiente, em faixas marginais distintas daquelas estabelecidas no Art. 4º, I, do Código Florestal.
Vale destacar que, em 28 de abril de 2021, o STJ julgou os recursos especiais e decidiu aplicar retroativamente o Código Florestal de 2012, firmando a tese do tema 1010, conforme segue:
Na vigência do novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu art. 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d e e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade.
A Corte fixou a tese de que para a definição da extensão não edificável, nas áreas de preservação permanente, de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, prevalece o disciplinado pelo novo Código Florestal em relação às leis municipais de Uso e Ocupação do Solo e os 15 metros disciplinado pela Lei de Parcelamento do Solo (Lei 6.766/79).
Antes disso, por ausência de previsão legal do antigo Código Florestal, vários Tribunais de Justiça entendiam que o Código Florestal deveria incidir sobre imóveis rurais e a Lei de Uso e Ocupação do Solo, sobre os imóveis urbanos.
O STJ ainda não modulou os efeitos do acórdão, entretanto, considerando que decidiu pela aplicação retroativa do Código Florestal de 2012 (Lei Federal nº 12.651/2012, que fixa o limite de 30 a 500 metros, dependendo da largura do rio — artigo 4º), entende-se que passará a ter efeito sob qualquer situação: passada, presente e futura, estabelecendo que aos casos concretos afetados, na vigência do novo Código Florestal, construções de novas obras deveriam respeitar a extensão de área não edificável nas áreas de preservação permanente em trechos caracterizados como área urbana consolidada, conforme disciplina seu artigo 4º, I, alíneas “a”, “b”, “c”, “d” e “e”.
Ocorre que a aplicação de no mínimo 30 metros de área de preservação permanente para áreas urbanas consolidadas, para situações passadas, presentes ou futuras, não atende às necessidade do meio urbano, totalmente antropizado nos grandes centros, além da profunda insegurança jurídica trazida por essa decisão, considerando os inúmeros casos em que o próprio Município, fundamentado na Lei de Uso e Ocupação do Solo, concedeu autorizações e licenças necessárias para pessoas físicas e jurídicas executarem suas construções em faixa inferior a 30m, seguindo o disciplinado pela Lei de Parcelamento do Solo, ou seja, 15 metros.
A Lei 14.285/21 é conflitante com o recente e polêmico entendimento do STF, que aplicou eficácia retroativa do Código Florestal para fatos consumados antes dele. Agora, resta-nos aguardar para saber se essa alteração legislativa será seguida ou se iremos nos deparar com uma enxurrada de ADIs alegando retrocesso, em prejuízo e desconsiderando a competência constitucional dos Municípios para legislar sobre o meio ambiente.