No dia 10 de dezembro deste ano, entra em vigor o Decreto n. 10.854/2021, que atualiza portarias mais antigas do Ministério do Trabalho e revoga uma série de decretos, consolidando seus dispositivos em um só regulamento, facilitando o entendimento das matérias ali disciplinadas.
O Decreto traz, ainda, algumas previsões novas, que serão aqui abordadas.
I – DA INSTITUIÇÃO DO PROGRAMA PERMANENTE DE CONSOLIDAÇÃO, SIMPLIFICAÇÃO E DESBUROCRATIZAÇÃO DE NORMAS TRABALHISTAS INFRALEGAIS
O Decreto prevê um programa permanente de estudos. A intenção é a de organizar as normas internas (infralegais) de fiscalização do trabalho (editadas pelo Ministério do Trabalho e Previdência).
O Decreto contém a revogação de todos os documentos existentes no âmbito da Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência, tais como manuais, recomendações, ofícios circulares, diretrizes e congêneres, de maneira que, em tese, nenhuma orientação infralegal vinda da Secretaria de Trabalho do Ministério do Trabalho e Previdência seria aplicável a partir de sua vigência.
Importante esclarecer, contudo, que tal previsão é fortemente questionada, diante de sua revogação genérica.
II – DO REGISTRO ELETRÔNICO DE CONTROLE DE JORNADA
O registro de ponto é, até então, regulamentado pelas Portarias 1.510/2009 e 373/2011 do Ministério do Trabalho, que apresentam diversos requisitos para sua validade, impondo, inclusive, um modelo de equipamento a ser adotado pelas empresas.
A jurisprudência, no entanto, já vinha amplamente aceitando os registros alternativos de jornada, de maneira que não houve nenhuma alteração significativa no aspecto: o Decreto ratifica algumas questões, a saber.
a) Possibilidade de uso alternativo dos registros de horário: valida o uso de aplicativos no celular, reconhecimento facial, reconhecimento digital etc. O decreto, neste ponto, não fala da necessidade de norma coletiva que valide o uso de registro de ponto alternativo, tal qual já vinha sendo admitido pelo judiciário trabalhista.
b) Impossibilidade de alteração ou eliminação dos dados registrados pelo empregado no registro de ponto;
c) Restrições de horário às marcações de ponto;
d) Marcações automáticas de ponto: tais como horário predeterminado ou horário contratual;
e) Impossibilidade de autorização prévia do empregador para marcação de sobrejornada;
f) Os itens b), c), d) e e) já são recomendações do Ministério do Trabalho e representam questões já trazidas pelas decisões trabalhistas.
O que a empresa deve atentar é na adoção de um sistema de ponto que retrate a realidade, não possibilitando alterações ou limitações na marcação do ponto pelo empregador.
O registro de ponto deverá permitir a identificação de empregador e do empregado e possibilitar a extração do registro fiel das marcações realizadas, a fim de viabilizar a fiscalização.
Importante, ainda, que a empresa esteja ciente das regras de LGPD quanto ao modelo de ponto a ser adotado.
Por sua vez, a pré-assinalação do intervalo intrajornada continua vigente, como previsto na CLT.
III – DA TERCEIRIZAÇÃO
O decreto permite que os fiscais do trabalho verifiquem a fraude na terceirização trabalhista e reconheçam o vínculo empregatício junto à tomadora de serviços, matéria que é discutida pelos nossos tribunais, que entendem que o vínculo somente pode ser analisado e reconhecido por meio de ação judicial.
Quanto à fiscalização, o §3º, do art. 39, do referido dispositivo, disciplina que a verificação de infrações trabalhistas pela empresa terceirizada será realizada apenas contra a empresa prestadora dos serviços, devendo ser comprovada fraude na contratação da prestadora para que a fiscalização seja a ela direcionada. Tal regulamentação tende a dificultar, assim, a fiscalização da empresa tomadora.
IV – DA MEDIAÇÃO TRABALHISTA
A possibilidade de mediação de conflitos coletivos (entre empresa e sindicato, por exemplo) já era disciplinada e autorizada pela lei e pela Portaria 817/95 do Ministério do Trabalho.
As principais alterações dizem respeito ao uso de instrumentos eletrônicos para a mediação e a fixação da ata da mediação como título executivo extrajudicial (o que for negociado junto ao M.T.E pode ser diretamente executado junto ao judiciário, não cabendo, em tese, nova discussão judicial).
O Decreto prevê, ainda, que em “ato futuro do ministério do Trabalho” será regulamentada a mediação individual (entre empregado e empregador). Ainda que futuramente disciplinada, a matéria tem validade discutível, uma vez que a possibilidade de mediação individual não pode ser regulamentada por simples decreto.
V – DO TRABALHO TEMPORÁRIO
O Decreto trouxe duas alterações, sendo elas (i) a autorização da contratação de estrangeiros com visto temporário e (ii) a necessidade de a empresa de trabalho temporário ter capital social de, no mínimo, R$ 100.000,00 (cem mil reais).
VI – DO PROGRAMA EMPRESA CIDADÃ
A principal alteração promovida pelo Decreto foi a sua adequação às leis e ao entendimento jurisprudencial, no sentido de que é devida a prorrogação da licença maternidade e paternidade aos empregados das empresas que aderirem ao Programa (nas regras nele fixadas) e aos empregados adotantes, independentemente da idade do filho adotado.
VII – DO PROGRAMA DE ALIMENTAÇÃO DO TRABALHADOR
A principal alteração diz respeito à vedação de inclusão de cláusulas de abatimento aos contratos junto às empresas fornecedoras de alimentação, o que gerará a retirada do benefício das empresas contratantes.
Outra alteração significativa é que o decreto prevê a necessidade de ampliação das redes credenciadas para fornecimento da alimentação, de maneira que os funcionários poderão usar seu cartão-alimentação em outros estabelecimentos.
As alterações tendem a trazer uma maior concorrência entre as operadoras, o que pode gerar propostas mais vantajosas de outras operadoras de cartões às contratantes.
Sendo estas as nossas considerações, estamos à disposição para prestar eventuais esclarecimentos.