TRIBUTAÇÃO E DEDUÇÃO FISCAL DAS DOAÇÕES

por Zavagna Gralha | 17/05/2024

Desde o final do mês de abril, o Estado do RS enfrenta a maior tragédia climática de sua história. As intensas chuvas, seguidas de enchentes e inundações de grandes proporções em diversos municípios, atingiram fortemente mais de 80% da população gaúcha, levando à declaração de estado de calamidade pública pelo Decreto nº 57.596, publicado em 1º de maio 2024.

 

Conforme o Decreto, os eventos climáticos ocasionaram “danos humanos, com a perda de vidas, e danos materiais e ambientais, com a destruição de moradias, estradas e pontes, assim como o comprometimento do funcionamento de instituições públicas locais e regionais e a interdição de vias públicas”.

 

De acordo com o governador do RS, Eduardo Leite, serão necessários R$ 19 bilhões para reconstrução das perdas decorrentes das chuvas excessivas. O estado precisará refazer estradas, pontes, escolas, hospitais, postos de saúde e restabelecer áreas e prédios públicos, além de reconstruir a moradia das milhares de pessoas afetadas.

 

Nesse cenário dramático e de muito a ser feito – e feito de forma ágil, a população do país todo está se unindo e mobilizando esforços para arrecadar recursos em apoio ao estado e ao povo gaúcho.

 

O governo do Estado do RS reativou o canal de doações via PIX para a conta “SOS Rio Grande do Sul”; assim como várias plataformas de arrecadação digital, conhecidas como “vaquinhas”, foram criadas para o recebimento de doações de valores que se revertem em ajuda aos atingidos, criadas por particulares, por entidades sem fins lucrativos e por entes públicos.

 

Assim, surgem diversas dúvidas acerca do tratamento tributário aplicável às doações, especialmente sobre a sua tributação e dedução fiscal pelos doadores, temas que trataremos a seguir.

 

 

  1. TRIBUTAÇÃO INCIDENTE SOBRE AS DOAÇÕES

 

 

Sobre as doações, a qualquer título, de valores, bens móveis, títulos, créditos, ações e quotas, de qualquer natureza, bem como dos direitos a eles relativos, incide o ITCMD (Imposto de Transmissão “Causa Mortis” e Doação), de competência Estadual.

 

De acordo com o art. 155, §1º, II, da Constituição Federal, o ITCMD é devido ao Estado onde tiver domicílio o doador.

 

Dessa forma, como exemplo, se o doador estiver domiciliado no Estado do RS, o imposto será devido ao estado gaúcho; ao passo que, domiciliado o doador em outro estado, o imposto será devido àquele estado.

 

Por sua vez, se o doador for pessoa que não possui residência ou domicílio no Brasil, e sendo o receptor da doação domiciliado no Estado do RS, o imposto não será devido por ausência de disciplina em lei complementar, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) Nº 6.825, de 21 de fevereiro de 2022.

 

Por ter competência estadual, é importante ressaltar que cada estado possui legislação específica que trata do ITCMD e as hipóteses de isenção do imposto.

 

No Rio Grande do Sul, a Lei Estadual nº 8.821/89, que instituiu o ITCMD, especificou quais doações estão isentas desta tributação, assim, as demais doações não especificadas na lei, estão sujeitas a cobrança do imposto. A citada lei garante a isenção do ITCMD nas seguintes hipóteses:

 

  1. quando a doação for destinada à União, ao Estado do Rio Grande do Sul ou para municípios deste Estado;
  2. quando a doação for destinada para autarquias e fundações da União, do Estado do Rio Grande do Sul ou de municípios gaúchos, bem como às companhias habitacionais administradas pelo poder público, desde que o objeto da doação se destine às respectivas finalidades essenciais;
  3. quando a doação for destinada a templos de qualquer culto; partidos políticos, inclusive suas fundações e a doação for relacionada às finalidades essenciais da entidade;
  4. quando a doação for destinada para entidades sindicais dos trabalhadores e para instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, desde que cumpram determinados requisitos (o objeto da doação deve ser relacionado com as finalidades essenciais das instituições, não deve haver distribuição de lucro ou participação no resultado, os recursos devem ser integralmente aplicados no país e para manutenção dos objetivos institucionais, deve ser mantida contabilidade regular);
  5. quando o objeto de doação forem roupas, utensílios agrícolas de uso manual, bem como móveis e aparelhos, de uso doméstico;
  6. quando o valor do imposto devido for inferior ao equivalente a 4 UPF-RS na data da avaliação pela Fazenda Pública Estadual (o que corresponde, em 2024, a doações de até R$ 3.454,67).

 

Ainda que isento, o doador deverá preencher a DIT (declaração de doação), informando o donatário (beneficiário) e seu respectivo CNPJ.

 

Ou seja, a legislação do Estado do RS não concede  a isenção do ITCMD sobre as doações em dinheiro, acima do limite legal de R$ 3.454,67, quando forem destinadas a pessoas físicas, jurídicas, públicas ou privadas que não atendam às disposições da letra “a” a “d” acima.

 

Nas situações em que o imposto é devido, a lei gaúcha determina que o contribuinte do ITCMD é o doador (domiciliado no Estado do RS, como dito acima). Todavia, o donatário é responsável solidário pelo pagamento do imposto. Significa dizer que, não pago pelo doador, o ITCMD poderá ser exigido do donatário.

 

Para cálculo do imposto, sobre o valor venal dos bens/valores doados, aplica-se alíquota de 3% para doações até 10.000 UPF-RS (o que corresponde, atualmente, a R$ 259.097,00) ou de 4% quando doados montantes superiores.

 

Quando o doador for domiciliado em outro Estado, é preciso aplicar  a legislação deste outro Estado, sendo que o RS poderá solicitar a comprovação do pagamento do ITCMD no outro Estado, para não exigir o ITCMD do donatário, responsável solidário.

 

Os Estados utilizam as informações sobre doações lançadas na declaração de imposto de renda do doador, e do donatário, para fazer a fiscalização e cobrança do ITCMD não recolhido.

 

De outra banda, a legislação do RS também determina que não incide ITCMD nas doações, quando estas corresponderem a uma operação incluída no campo de incidência do ICMS.

 

Em regra, as doações de mercadorias estão sujeitas a incidência do ICMS, salvo disposição expressa de isenção prevista na legislação dos Estados em que se encontram as empresas doadoras.

 

Nesse ponto, destaca-se que o Regulamento do ICMS do RS (RICMS RS), Decreto Nº 37.699/97, Livro I, artigo 9º, XLIX e L, prevê a isenção do ICMS sobre as doações de mercadorias, e serviços de transporte das mercadorias doadas, ao governo do Estado do Rio Grande do Sul, e às entidades governamentais, ou assistenciais de utilidade pública que prestam assistência às vítimas de calamidade pública.

 

Ademais, o Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), através do Ajuste SINIEF Nº 9, de 07/05/2024, autorizou todos os Estados a dispensarem, até 30/06/2024, a emissão de documento fiscal na operação e na prestação de serviço de transporte relativa à remessa de mercadorias coletadas de terceiros, por contribuintes, ou não contribuintes do ICMS, doadas às vítimas de calamidade pública em decorrência das enchentes, temporais e inundações ocorridas no Estado do Rio Grande do Sul.

 

No entanto, a remessa de mercadorias próprias por estabelecimentos contribuintes do ICMS continua sujeita a emissão de Nota Fiscal Eletrônica com o Código Fiscal de Operações e de Prestações (CFOP) 5.910 ou 6.910 (remessa em bonificação, doação ou brinde).

 

Como regra geral, também haverá a incidência do IPI sobre as doações e cessões gratuitas de bens ou mercadorias industrializadas pelo doador, aplicando-se, para fins de apuração da base de cálculo do imposto, as disposições dos arts. 192, 195 e 196 do RIPI, Decreto 7.212/2020, e Solução de Consulta COSIT Nº 266/19.

 

 

  1. DEDUTIBILIDADE FISCAL DAS DOAÇÕES PARA ENTIDADES SEM FINS LUCRATIVOS

 

As pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real podem deduzir da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, as despesas com as doações às entidades civis sem fins lucrativos, até o limite de 2% do lucro operacional (lucro líquido, excluídos os ganhos/perdas com a venda de ativos imobilizados e investimentos, antes das despesas com IRPJ e a CSLL).

 

As entidades beneficiadas devem ser legalmente constituídas sob a forma de OSC – Organização da Sociedade Civil, nos termos da Lei nº 9.249/95, art. 13, parágrafo 2º, III. Essas entidades devem ter suas atividades voltadas à assistência social e ao voluntariado, não podendo participar de campanhas político-partidárias nos termos da Lei 9.790/99, sendo vedada a distribuição de lucros, conforme a Lei 13.019/14 (art. 2º, I, “a”).

 

As entidades civis que atendem aos requisitos acima, beneficiadas pela doação, precisam apresentar às empresas doadoras uma declaração específica, nos moldes exigidos pela Receita Federal (IN SRF 87/96), comprometendo-se em aplicar integralmente os recursos recebidos na realização de seus objetivos sociais. Essa declaração deve ser guardada pela empresa doadora pelo prazo de cinco anos, à disposição da fiscalização, conforme determinação do art. 13, parágrafo III, b, da Lei 9.249/95.

 

Importante também ressaltar que as doações realizadas em dinheiro devem ser realizadas diretamente em nome da entidade beneficiária, mediante crédito em conta corrente bancária, nos termos do art. 13, parágrafo III, a, da Lei 9.249/95.

 

Além dos órgãos governamentais, várias entidades gaúchas estão mobilizadas nas atividades de auxílio a população gaúcha afetada pelos eventos climáticos, com a distribuição de alimentos, roupas, equipamentos, e demais assistências requeridas, visando o auxílio às pessoas e a reconstrução das áreas afetadas.

 

 

  1. Doações Destinadas para os Fundos dos Direitos das Crianças e Adolescentes, e Fundos dos Direitos dos Idosos

 

3.1. Doações Realizadas por Pessoas Jurídicas

 

As pessoas jurídicas tributadas pelo Lucro Real podem destinar até 1% do IRPJ Devido, durante o ano calendário, em doações aos Fundos dos Direitos das Crianças e Adolescentes e Fundos dos Direitos dos Idosos, sendo que esses fundos podem ser Estaduais e Municipais, podendo o doador direcionar sua doação para o Estado do RS, ou a algum Município do Estado.

 

Importante destacar que essas doações não são dedutíveis como despesas operacionais para fins de apuração do IRPJ e CSLL (art. 11, da IN 167, 2002).

 

  • Doações Realizadas por Pessoas Físicas

 

As pessoas físicas podem destinar até 3% do imposto de renda devido, no preenchimento da declaração do imposto de renda do ano calendário de 2023, exercício de 2024, ao Fundo dos Direitos das Crianças e Adolescentes, e ao Fundo dos Direitos dos Idosos, inclusive destinando esses recursos para o Estado do RS, ou algum Município do Estado do RS.

 

A destinação pode chegar até 6% do IR devido, se as doações ocorreram durante o próprio ano calendário de 2023.

 

A destinação da doação diretamente da declaração de imposto de renda pelas pessoas físicas está disponível para Pessoas Físicas que optam pelo modelo completo de declaração. e que apurou imposto de renda devido.

 

 

 

Ao escolher essa opção, o valor da doação é descontado do imposto a pagar e não do valor da restituição, caso tenha direito. Essa é uma forma de contribuir com causas sociais apenas destinando parte do imposto devido para esses fundos.

 

 

Sendo estas as nossas considerações, estamos à disposição para prestar eventuais esclarecimentos.

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